Tinha sede de +!
Tinha sede de Mais. A formação superior concluída, a estabilidade familiar, o núcleo de amizades coeso, as diversas atividades sociais em que estava envolvida, tudo sabia a pouco. Mas nem por isso foi imediatamente claro que só o silêncio e o recolhimento do Carmelo me podiam oferecer esse Mais por que tanto ansiava. Depois de um percurso cristão e académico comuns, pautado desde cedo por múltiplas atividades, uma sede que nada nem ninguém podiam saciar começou a nascer em mim.
Tendo a defesa da dignidade da Pessoa Humana como um dos motores da minha vida, pensei que poderia tornar-me missionária e, assim, satisfazer os meus anseios. Por esta altura, ainda não conhecia as palavras de Santa Teresa Benedita da Cruz que mais tarde haveriam de confirmar a minha vocação ao Carmelo: “Tu não és médica, nem tão pouco enfermeira. Nem podes vendar as chagas dos enfermos. Tu estás recolhida na tua cela e não lhes podes acudir. Ouves o grito silencioso, agónico, dos moribundos e quererias ser sacerdote, estar ao seu lado… Olha para o Crucificado. Se estás unida a Ele no fiel cumprimento dos teus votos, és tu o sangue precioso que se derrama. (…) Com a força da cruz podes estar em todas as frentes, em todos os lugares de aflição”.
Parti em 2014 para Chapadinha, no nordeste brasileiro, com o grupo missionário da diocese de Coimbra. Tocar a indigência humana e ser próxima dos últimos, ser pobre entre os pobres, deixou-me ainda mais sedenta de alguma coisa que o coração já começava a intuir o que seria, mas a razão não queria aceitar.
A experiência missionária ofereceu-me o primeiro contacto com a padroeira das missões, Santa Teresa do Menino Jesus e, por conseguinte, Santa Teresa de Jesus e Santa Teresa Benedita da Cruz, santas carmelitas que se tornariam fonte de inspiração e auxílio no discernimento da minha vocação, iniciado por esta altura com a orientação de um padre.
As viagens a Taizé, uma forte experiência de Convívios Fraternos e diversos voluntariados sociais tinham-me afinado a intuição de que só uma vida consagrada a Deus poderia saciar a sede de me dar. Mas ser freira colidia frontalmente com todos os meus projetos e com as expectativas de quem me rodeava!
À medida que esta sede começou a gritar mais em mim, tornou-se impossível desviar o olhar de uma entrega plena a Deus. Com isto, inúmeras questões iam surgindo: que pobres auxiliar? E as misérias humanas onde não poderia chegar? E o contexto profissional, cada vez mais campo de missão, onde também podia viver consagrada a Deus? Que instrumento me pedia Deus que eu fosse no meio do mundo? Percebi que queria tudo, chegar a todo o lado, sem excluir nenhuma realidade.
Assim se abriu a porta do Carmelo. Mas como tornar-me monja de clausura, se gostava tanto de viajar? Como entregar-me ao silêncio e ao recolhimento se era tão ativa e gostava tanto de falar? Como poderia entregar-me à humanidade ferida, ocultando-me aos olhos do mundo?
Uma experiência profissional de 6 meses em Moçambique e o contacto próximo com antagonismos sociais gritantes foi a confirmação que faltava. Era tempo de dizer, como Santa Teresinha, “escolho tudo”.
No dia 7 de janeiro de 2018, aos 27 anos, cruzava a porta da clausura para mitigar esta sede de Mais que só aqui, em definitivo, poderia saciar.
Desde o claustro do Carmelo sei que a simplicidade da minha vida entregue toda a Deus fecunda nas realidades humanas onde Cristo pobre está mais ferido, abandonado e ultrajado, seja nos remotos povos da terra ou no meio dos centros capitalistas, no coração de tantos sacerdotes e religiosas que servem os pobres, como naqueles que vivem na obscuridade porque não conhecem o Senhor. De resto, sinto profundamente que a minha vocação específica como carmelita descalça vai precisamente ao encontro destas realidades. Ao adotar o nome de irmã Clara das Chagas de Jesus e do Coração de Maria, tive muito presentes as feridas da humanidade, que são as feridas de Jesus e que continuam hoje a sangrar nos refugiados rejeitados, nas crianças-soldado, nos sem-abrigo, nos injustiçados, nas famílias destruturadas, nas crianças que não nascem… enfim, em tantas formas de miséria geradas pelo desamor. Ser carmelita é redimir o sofrimento do mundo pela minha vida orante, silenciosa e escondida. Sempre com a certeza de que o Imaculado Coração de Maria é o meu refúgio e o caminho que me conduzirá até Deus!Ir. Clara das Chagas de Jesus e do Coração de Maria