Ser Mãe!
Devia ter cinco anos quando ouvi a primeira vez falar do Carmelo – não com o nome de Carmelo, mas a forma de vida- «vivem sempre a rezar». Ouvi e pensei com os meus botões: também quero ser assim.
Não sabia o que seria ser religiosa, mas havia algo dentro de mim que me impelia para o ser. Existia simpatia. Nessa altura gostava muito de ver as noivas e ao ver a brancura do vestido e do véu, sentia dentro de mim um convite a ser sempre noiva – a VIRGINDADE.
Dos onze aos catorze anos, travou-se em mim uma luta que eu vivi a sós com Deus, pois nesta altura não tinha ninguém a quem eu pudesse confiar o meu coração. Acordou em mim a Mulher e a Mãe e soou a hora da escolha. Creio que é sempre assim: Deus convida, mas como respeita a liberdade, dá sempre a liberdade de escolher. Foi uma graça ter acontecido assim. Não escolhi a vida religiosa, e concretamente a vida contemplativa, por um simples acaso. Foi verdadeiramente uma escolha, uma eleição.
SER MÃE!… era algo que me fazia estremecer as fibras mais íntimas do coração. Ter um, muitos filhos meus!!! mas caíam-me os braços – a virgindade! E estabelecia-se um dilema. Mas Deus ia ajudar-me a harmonizar estes dois amores.
Em Julho de 1969, tinha eu doze anos, num dia de Profissões de Fé, o Pároco lançou uma invectiva, que talvez não tenha caído em nenhuma das crianças a quem se destinava, mas foi uma luz importantíssima para a minha vida. Disse: “HÁ TANTOS QUE AINDA NÃO OUVIRAM O NOME DE JESUS!” Foi uma pedra no meu “lago”! Descobri que a maternidade que Deus queria para mim, era a Maternidade espiritual. Nesse dia nasceu em mim o amor pelas Missões.
Fui pensando e rezando. Sentia-me mais iluminada, havia ainda algo no meu coração que ficava vazio, algo que pedia mais… uma insatisfação… Deus ia encher o meu coração! Já era Ele que me fazia desejar tanto!…
Num dia de Maio, aos catorze anos, quando regressava das aulas, tendo ouvido antes não sei que reflexão no mês de Maria sobre a virgindade, fui interiormente iluminada, para “ver que, através do apostolado das MÃOS VAZIAS, na vida contemplativa, eu podia alcançar uma Maternidade universal! Disse SIM!… Foi a minha entrega para sempre! Então encontrei a paz total. Comecei a viver em festa no meu coração, a sós com Deus. Porém o horizonte da realização dessa entrega tinha ainda sete anos, até atingir a maior idade, que então era só aos 21. Assumi. Ninguém conhecia o meu segredo. Só Jesus! Quando aparecia algum convite de namoro, muito simplesmente dizia que estava comprometida, ficando no ar o mistério – com quem?… Esperei a maior idade com ansiedade, mas com paz, vivendo com toda a naturalidade. Mas Deus ia querer-me mais cedo…
Aos dezanove anos, perdi o meu pai. Para evitar o inventário, a minha Mãe emancipou os dois mais novos (eu sou a última de dez irmãos), e … eu vi-me de repente com a liberdade nas mãos. Nessa altura já mantinha correspondência (secreta) com o Carmelo de Coimbra. Fiz uma tentativa de obter a licença de minha Mãe. Não consegui… Mas, quando Deus chama, não há amores que vençam!
Não posso descrever o sofrimento dos últimos dois meses!… mas o imperativo de Deus era tão forte, que seria mais, muito mais difícil não obedecer a Deus e seguir a voz da carne. Eu ia deixar a minha mãe só! Já todos os meus irmãos tinham partido. Eu, como mais nova, era apontada para ficar… mas Jesus passou e chamou-me a mim. Neste tempo, cheguei a sentir o desânimo… cheguei mesmo a dizer comigo: “não vou! não consigo! fico aqui!” Mas uma palavra lida em S. Afonso Maria de Ligório, tempos antes, chamou-me à ordem: «Mais vale aos olhos de Deus cinco anos de obediência, do que cinquenta de penitência por vontade própria». Então ganhei coragem para partir no dia 26 de Agosto do ano de 1976, sem dizer à minha mãe, sem dinheiro para a viagem… mas confiante no auxílio do Senhor que não me faltou. Assim como não faltou à minha mãe, confortando-a e iluminando-a, pois foi edificante a forma como ela enfrentou a dor proveniente deste meu passo. Sento na minha vida a certeza de que quando dizemos sim a Deus, Deus não nos abandona!
Há tantos anos que dei este passo importante e ainda me parece um sonho! Quando pensava na minha vocação, parecia-me algo muito belo, mas alto de mais para mim. Vivo a minha vocação como um DOM precioso, sempre agradecida e ciente que é um tesouro num vaso de barro. Por isso, desde os catorze anos, todos os dias peço a N. Senhora que proteja a minha vocação.
Como na Maternidade física, os filhos não nascem de uma só vez. Deus foi-me dando os filhos gradualmente, até que neste momento, sinto que vivo o que vislumbrei aos catorze anos, na minha decisão pela vida contemplativa – vivo a Maternidade universal. Hoje, quando trabalho ou rezo, não estou só. Eu sou a presença da Humanidade diante de Deus! Eu vivo na presença de Deus por aqueles que não sabem, não podem ou não querem amá-lO. Eu sou de Deus para e pela humanidade.
Só uma coisa me custa: é não poder transmitir a todos a festa contínua que levo dentro de mim! Porque sou de Deus! Mesmo na cruz, porque esta também existe. E quem vive sem ela?… Mas eu sei que os meus braços crucificados, são um milímetro adicionado aos braços de Cristo no abraço redentor a toda a Humanidade. Só por Ele, com Ele e n’Ele a minha vida tem sentido.
Ir. Maria Celina de Jesus Crucificado